Opinião | Economia e Tributação
O nó da folha na Reforma Tributária
12/12/2025
11:30
Jordany Diniz
Jordany Diniz*
A Reforma Tributária inaugurou um modelo de tributação que se propõe mais simples, transparente e alinhado às economias desenvolvidas, estruturado sobre o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) e a CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços). Seu eixo central é a não cumulatividade plena: em tese, todo imposto pago ao longo da cadeia produtiva deve ser integralmente compensado na etapa seguinte, eliminando distorções históricas do sistema brasileiro.
No entanto, essa promessa de neutralidade encontra um ponto de tensão relevante: os gastos com pessoal. Apesar de essenciais à atividade econômica, salários, encargos sociais e demais custos de mão de obra não gerarão créditos de IBS ou CBS. A justificativa técnica é conhecida — a folha de pagamento não seria um “bem” ou “serviço” adquirido pelo contribuinte, mas um custo de produção, ficando fora do modelo de creditamento. O problema é que, na prática, o peso desse item na formação de preços transforma essa exceção em um potencial fator de aumento da carga tributária.
Para empresas com estrutura intensiva em trabalho humano, sobretudo no setor de serviços, a impossibilidade de creditamento cria um desequilíbrio: embora não gere créditos, a folha integra diretamente o preço final do produto ou serviço e, portanto, amplia a base de cálculo do IBS e da CBS na etapa de saída. Em outras palavras, além de não neutralizar o imposto, o custo de pessoal eleva o valor devido, pressionando margens em negócios dependentes de mão de obra.
A consequência é um efeito distributivo questionável. Enquanto setores industriais, fortemente dependentes de insumos creditáveis, tendem a se aproximar da neutralidade prometida pela reforma, segmentos de serviços permanecem mais expostos ao aumento da carga efetiva. O resultado pode ser um desincentivo ao emprego direto e um estímulo à automação ou terceirização, já que prestadores de serviços pessoa jurídica — diferentemente dos empregados — geram créditos para o tomador.
Essa assimetria abre espaço para uma reorganização econômica guiada pelo imposto, e não pela eficiência produtiva. Em cenários de restrição financeira, torna-se racional substituir trabalhadores por contratos empresariais que reduzam passivos trabalhistas e, simultaneamente, ampliem o creditamento tributário. Não se trata apenas de ajuste administrativo, mas de uma transformação estrutural potencialmente contrária ao objetivo de um sistema neutro e equilibrado.
A Reforma Tributária representa um avanço necessário. Contudo, sua implementação exige cautela para que exceções — como a da folha de pagamentos — não se convertam em distorções capazes de comprometer a própria lógica da não cumulatividade plena. O desafio agora é assegurar que a transição preserve competitividade, segurança jurídica e, sobretudo, coerência econômica entre os setores que compõem o mercado brasileiro.
Por Jordany Diniz, advogada especialista em Direito Tributário e sócia-fundadora da Tax Advisory
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